(senta que lá vem história)
No começo dos anos 2000, eu, jornalista recém-formado em São Paulo, fui trabalhar como repórter em uma revista sobre o mercado de internet chamada The Industry Standard, no auge da bolha, em uma editora chamada (na época) IDG Computerworld do Brasil.
Meses depois, a bolha estourou, a revista fechou (com direito a uma apuração de edição especial temperada com a depressão pós-11 de setembro) e me ofereceram duas possibilidades de carreira: seguir na área de negócios cobrindo TI corporativa no Computerworld (que ainda era um jornal quinzenal) ou ir para uma área mais divertida no meu ponto de vista, na revista Publish.
Fui pro lado pop, e a diversão durou mais seis meses como editor-assistente da revista sobre editoração eletrônica (argh). Em um caso clássico de empresa em reestruturação-que-não-sabe-o-que-fazer-e-mete-os-pés-pelas-mãos (todo setembro tinha uma demissão em massa), sobrevivi e acabei caindo num cantinho da revista PC World, para cuidar do site e fazer alguns testes de software, reportagens e pequenos gadgets.
Coisa grande, como computadores, impressoras e câmeras, era tarefa de um tal de Mário Nagano, um japonês mal-encarado que ficava trancado em uma salinha no fundo do escritório.
Ele fazia comparativos de produtos quase todo mês, montava tabelas, rodava benchmarks, escrevia textos e enlouquecia entre caixas, manuais e produtos. Mês de comparativo de impressora era serviço dobrado ou até triplicado cujo recorde foi uma análise com 23 modelos que rendeu uma matéria de mais de 16 páginas que ele praticamente produziu de cabo a rabo — do convite as empresas até a premiação — sob a tutela da sua editora Denise Goya. E isso sem contar as análises individuais de produtos — umas três ou quatro por edição.
Naquela época eu já desconfiava que o cara era meio pirado.
Enquanto estava nas outras revistas, conhecia o Nagano como colega de trabalho, nada demais. Ao ficar ao lado da sua sala (sente o drama da bagunça na foto abaixo, em especial sua querida folhinha ao fundo — brinde de uma startup de Internet — que a editora um dia confiscou e jogou fora, alegando mau gosto), ficamos amigos e comecei a aprender um monte de coisas. Isso ocorreu, se não me engano, no final de 2002, começo de 2003.
Nunca esqueço o caso clássico quando Melissa Sayon, minha chefe na Industry Standard, certa vez pediu alguma coisa emprestada (creio que era um gravador). Mel tinha fama de ser ainda mais brava que o japa do lab (baita imagem falsa, por sinal) mas travou ao pedir pro Nagano, que disse calmamente “empresto, mas só se você pedir por favor e com bastante açúcar!” — e não é que ao invés de falar “ô japonês, me empresta logo esse troço aí?” ou o mais provável — não falar nada e jogar aquele tipinho petulante pela janela — ela respirou fundo e disse: “por favor, pode me emprestar?”
Depois disso, tive certeza que além de pirado, aquele cara não tinha noção de perigo!
O tempo passou, o IDG Brasil mudou (era uma subsidiária, hoje é uma licenciada) e da PC World eu tomei outros rumos para a concorrente PC Magazine.
Viajei uma vez com o Nagano para um Intel Developer Forum (2006, se não estou errado) e sempre nos falávamos sobre o mercado e como estavam as coisas em coletivas de imprensa. (trivia: Nagano tem fama de saber mais coisas da Intel que seus funcionários – ele participa do IDF religiosamente todos os anos desde 1999, quando ainda era em Palm Springs, na Califórnia) evento onde ele conheceu alguns personagens lendários do vale do silício como Gordon Moore, co-fundador da Intel…
… Pat Gelsinger, na época vice presidente da Intel e atual CEO da VMWare…
… Steve Wozniak, co-fundador da Apple que ele desavergonhadamente parou na rua em San Francisco para tirar uma foto de tiete…
… e um bando de jornalistas de tecnologia que, depois de falar “hi there” e “bye there” por anos e anos, descobre que cultivou um grande círculo de amizades que nenhum LinkedIn da vida consegue igualar.
A partir da esquerda: Niso Levitas (ex-PC World Turquia), Mario Nagano (ZTOP), Dan Snyder (Intel), Andreas Stiller (C’t Alemanha) e Charlie Demerjian (ex-Inquirer, que aprendeu o ofício com Mike Magee e co-fundou o SemiAccurate News).
E em 2007 tudo mudou. Eu não estava mais na PC Mag, Nagano não estava mais na PC World (das lendas que ficam da sua saída, nada mais me assusta do que o fato que ele deixou lá uma máquina com quase uma década de matérias escritas, procedimentos de testes, guias e benchmarks prontinhos para quem quisesse usar, porém travado por uma senha de administrador (já que a rede do lab era isolada) e o editor-executivo da revista — que se dizia especializado em segurança de TI — não teve coragem de ligar para o cara e perguntar sobre a mesma (que, por sinal era “mnagano”) e mandou a turma de TI formatar e perder tudo dias depois. Argh).
Peraí, vamos montar um blog?
Desde o começo – e com um apoio inicial do Rafael Rigues (que… trabalha na PC World Online hoje!) – montamos um projeto até então inédito na internet brasileira: conteúdo original e inédito sobre tecnologia pessoal.
Na época, a moda era (e ainda é) o copiar-e-colar de blogs gringos, e a gente queria fazer diferente. Na internet não existe a limitação do papel, então poderíamos fazer reviews longos e extensos sobre produtos que os editores gostassem, sem a pressão de um editor-que-só-deixa-falar-aquilo-que-ele-gosta. Em setembro de 2007, nascia o Zumo.
Já surgimos sob a aba (e a pressão) de estar sobre um dos maiores portais (o UOL) brasileiros. Deu certo. Crescemos. Faltava uma coisa apenas: dinheiro. Conseguimos projetos pontuais, mas não tinha ninguém para vender o projeto em agências e empresas.
Fizemos trabalhos como colaboradores para um monte de lugares e sobrevivemos com dignidade. No fim de 2010/começo de 2011, o Zumo, já bem conhecido no mercado, entrou em estado de pausa.
Foi uma decisão mútua nossa, já que encontramos um sócio capitalista capaz de vender projetos comerciais (oi André, oi Marcelo!).
Das cinzas do Zumo nascia o ZTOP, que passou alguns meses sob a aba da revista Alfa e correu na sequência para o Terra (onde está até hoje), que nos ajudou a crescer e atingir audiências novas e cada vez maiores.
E mais mudanças vieram no final do ano: o ZTOP foi incorporado pela F451 Mídia, o que valeu (finalmente) nosso suor. Finalmente tínhamos um dinheirinho na conta todo mês e ainda uma equipe comercial para vender os projetos.
Como cada ano tem uma novidade, agora, em novos tempos, Mário Nagano deixa nossa equipe editorial e um monte de saudades no peito.
Acredito que a gente conseguiu um monte de coisas legais sem meter os pés pelas mãos e aproveitar toda nossa experiência e conhecimento no mundo da tecnologia – e ainda mais no complicado mercado brasileiro – para fazer um produto sensacional, do qual me orgulho todos os dias.
Sem o Nagano, nada disso teria acontecido. Então, nada como celebrar a partida de alguém querido com alguns exemplos sua melhor produção no período do ZTOP (fevereiro de 2011-fevereiro de 2013).
Vou sentir falta do seu conhecimento, relevância de mercado, nível de detalhe e profundidade usada em cada post. E, claro, do seu incrível senso de humor – mas pra isso, basta pegar o telefone, né? E ele promete boas novidades para breve. Aguardo ansiosamente.
Nagano testando o Expressions Dispatcher, um projeto acadêmico que prometia melhorar sua imagem pessoal e habilidades de comunicação por meio de uma interface digital baseada em emoticoms. Hum, sei não…
Alguns reviews legais:
Boas entrevistas:
20 minutos com o pai do Thinkpad
Uma hora com o diretor técnico da Kingston
Genevieve Bell e a falta de tédio
Furos e grandes ideias:
Lenovo mostra tablet com Android (de longe)
APU Trinity da AMD vai brigar com o Intel Ivy Bridge
Lingodroids: robôs que falam na sua própria lingua
O que torna um Ultrabook um Ultrabook?
Opinião: Fusion em portáteis — como fica a Intel nessa história?
Especial de fim de semana: The Great Jonny Quest Documentary
Todo o arquivo de Mário Nagano no ZTOP
O mais curioso dessa lista é que, apesar de ser um cara de hardware (e ter a fama errada de “só testa placa-mãe e placa de vídeo”), Nagano se dá bem mesmo é com cultura pop e produtos inovadores – o que ele fez no review do Nokia 808 PureView é algo inédito na internet brasileira.
Se você pensa em escrever sobre produtos e testá-los algum dia na vida, vale ler um velho post da época do Zumo. É uma aula. Tem mais um monte de histórias pra contar sobre o Nagano, mas falta tempo…
Ah sim, Henrique, o que será do ZTOP agora sem o Nagano?
Sem um especialista em hardware, não consigo reproduzir algumas coisas que o Nagano fazia. E nem quero: vou seguir a mesma linha editorial baseada em conteúdo original em português com seriedade, profissionalismo e respeito pelo mercado local, cobrindo eventos (o Mobile World Congress vem aí) e mantendo meu interesse por eletrônicos de consumo e uma vida em um mundo pós-PC.
Como diria o japa, business as usual, certo?
Em tempo: a foto que abre este post é de Mário Nagano em estado de choque (e gripe forte) após ver seus ídolos do Blue Man Group em Las Vegas, no mês passado. E bom carnaval a todos!