Hoje a Samsung anuncia em Nova York seu novo smartphone topo de linha, o Galaxy S4. Em menos de quatro anos, a fabricante coreana conseguiu, com sua família de smartphones, a liderança entre os Androids e uma rivalidade enorme com a Apple. Entenda como isso aconteceu.
Minha primeira lembrança de ver a Samsung como fabricante de telefones foi em 1999. Eu tinha um Motorola StarTAC em um mundo ainda sem SIM cards e opção de troca fácil de aparelho. Celular ainda era sinônimo de status e eu usava pouco, muito pouco. Mas era repórter do caderno Informática da Folha de S.Paulo e começava a ter contato com novas tecnologias. Como o bug do milênio era minha principal preocupação, não tinha porque me importar muito com outros assuntos.
Na época, lembro do dia que a Samsung foi até a redação do jornal para uma entrevista e a repórter (saudades da Dri Lutfi!) ficou entusiamada com alguma coisa do aparelho novo (nem lembro o que era). O tempo passou, a tecnologia GSM chegou e de vez em quando a Samsung entrava em contato (via agência de relações públicas) pra contar as novidades – mas TVs e eletrônicos de consumo em geral, até então, sempre foram as principais estrelas.
O iPhone veio em 2007, o Android demorou a chegar ao Brasil em 2009 (lembro da tonta briga pelo “primeiro Android a ser lançado aqui“) e a Samsung já ensaiava um apoio maior ao Android (em 2009, Galaxy e Galaxy Lite disputavam espaço com o estranho Samsung Jet, com sistema proprietário ainda).
E, certo dia sem muita importância, a Samsung mostrou um novo aparelho, o Galaxy S, em maio de 2010.
O Galaxy S passou um tanto despercebido no começo. Seu anúncio foi feito durante uma feira norte-americana (CTIA Wireless) e lembro de ter escrito que o aparelho tinha uma “tela monstro de 4 polegadas”, inaugurando uma nova era de superfones com especificações mais parrudas e uma briga (repetindo, mas não igualando, o que aconteceu anos antes no mercado de PCs) pelos gigahertz no processador.
Poucos meses depois, o Galaxy S chegava ao Brasil, com uma novidade adicional: receptor de TV digital, e ele parecia grande na mão. De novo, na época era um aparelho bacana (nem imaginava rodar benchmarks em smartphones naquele tempo, por isso nunca fiz um review desse smartphone, apesar de ter passado um bom tempo com ele depois).
E o grande segredo do sucesso da família Galaxy começava a acontecer. A Samsung começava a gastar em marketing para promover bastante seus produtos. É só ver a curva de gastos (como diz o pessoal da Asymco, siga o dinheiro): o gráfico abaixo mostra os gastos em milhões de dólares nos anos fiscais de 2009 a 2012 os principais anunciantes norte-americanos.
A Samsung é líder no mercado de smartphones hoje, mas a que custo? Investimento forte em publicidade, em resumo. Compare as barrinhas: a Samsung gasta mais que a Coca-Cola em anúncios (o gráfico está em milhões de dólares).
Vale explicar, porém, como uma coisa levou a outra. A Samsung é um chaebol, conglomerado familiar enorme e cheio de divisões internas comum na Coreia do Sul (LG e Hyundai também são exemplos de chaebol), com enorme influência econômica e política no país de origem.
Precisa de telas? A Samsung produz. Precisa de semicondutores? idem. Memória? Também. E por aí vai. A estrutura da Samsung permite que ela fabrique a maioria dos componentes necessários para seus próprios produtos – e para o resto do mercado (Apple é cliente em semicondutores). Existem problemas no percurso – um processo judicial aqui, um trabalhista ali -, mas nada que afete o geral da operação. E essa máquina interligada ajuda a esmagar concorrentes sem essa capacidade (vide os atrasos no HTC One) produtiva monstruosa.
O modo de administração da companhia usa uma tática conhecida e confirmada por um monte de gente do mercado: se uma área está mal, use o dinheiro que sobra de outra para ajudar a deixar o cenário final positivo.
Lucros com lavadoras e geladeiras, por exemplo, podem ajudar a contornar um hipotético prejuízo na área de notebooks – que precisa crescer para conseguir a liderança em determinado mercado (reza a lenda que isso aconteceu no Brasil, algo que ninguém confirma de forma oficial e tudo que ouvi veio de concorrentes). Ou use tudo que puder para fazer seu smartphone ou tablet bombar em todos os mercados. É um misto de compra de market share com alto investimento em marketing e comunicação. Não é sorte, é dinheiro gasto de forma inteligente e planejada.
Com o Galaxy S II, a história começou a mudar, já em 2011. Seu anúncio foi feito durante o Mobile World Congress de 2011, e eu me lembro da fila e da zona para entrar na coletiva em Barcelona (e depois nas CES, IFA e MWC: Samsung SEMPRE tem fila). O S II era uma evolução na plataforma, com um aparelho grande (mas que já não assustava mais), poderoso e rápido. Fiz um review e era incrível (e ainda está à venda, em versões com Android 4.0, e ainda vale a compra).
O Galaxy S III provou que a Samsung conseguiu chegar lá. Nada de anúncios em feiras e dividir a atenção com outros fabricantes, vamos seguir a cartilha da Apple e fazer nossos próprios eventos. Não é à toa que, até janeiro, a Samsung disse que vendeu 100 milhões (!) de aparelhos com a marca Galaxy (S, S II e S III) em todo o mundo – sem contar os derivados da marca Galaxy (S II Lite, S II Mini, Express, a linha Note, os tablets etc).
Sim, a Samsung continua participando de feiras internacionais. Estava na CES com TVs gigantes, no Mobile World Congress mês passado anunciou um tablet novo e, ao entrar no “media lounge” (=salinha pra imprensa com café, água e internet), as recepcionistas davam um envelope preto com convite para o evento de hoje à noite (20h no horário local) – ou aula básica de como roubar a atenção de todos no primeiro dia de um evento global.
Marketing + atenção mundial = grande audiência. Só do Brasil, a Samsung levou para Nova York 20 jornalistas/blogueiros (multiplique 20 por passagens aéreas, hospedagem, seguro viagem, refeições, transporte – tudo isso para um evento apenas e dá para ter uma ideia de quanto dinheiro está envolvido no processo – marketing e comunicações, certo?). (atualização 21h45: fez ainda um mega evento de lançamento no Radio City Music Hall e outro público na Times Square).
Uma grande observação sobre o anúncio de hoje (e estamos com representante no Radio City Music Hall) é ver como a Samsung vai falar sobre Android. Update: citou uma vez somente durante a apresentação.
Note em qualquer campanha ou site que o sistema operacional quase nunca é citado: o produto é um Galaxy, e não um Android (uma questão semântica bastante importante). O Android surge apenas na versão ou possível atualização de produto (ao meu ver, a dor de cabeça número um na hora de escolher um aparelho com sistema fragmentado do Google).
Eu tenho a teoria de que em algum momento a Samsung pode transformar o Android em um sistema próprio e fechado, como a Amazon fez com o Kindle Fire – afinal, é um Galaxy e o motor de vendas está a pleno vapor, movido a mais de 100 milhões de unidades. Vale lembrar que o Google não tem lucro com o Android, e só Samsung, Apple e Sony hoje conseguem ter lucros reais com smartphones (o resto opera no prejuízo). Se você lê inglês, a Asymco tem gráficos bem interessantes sobre o mercado global de smart-telefonia.
De qualquer modo, duvido que o anúncio de hoje decepcione a imprensa, analistas de mercado e o público em geral como ocorreu (num ato bizarro) com o último iPhone. É o show da Samsung, e vamos todos acompanhar ao vivo. Amanhã saberemos sobre a estratégia para o mercado brasileiro (eu chuto… abril?) e os planos gerais da Samsung para nosso mercado. Saiba mais sobre o Samsung Galaxy S4.