Com o anúncio oficial da linha Lumia com Windows Phone, conhecemos uma nova Nokia. O que muitos imaginavam ser a Nokia do CEO espião infiltrado Stephen Elop, o malvado executivo não-finlandês vindo de Redmond, que iria acabar com a festa europeia e tornar turma de Espoo em zumbis microsoftianos. Peraí, não é bem assim.
A Microsoft nunca foi uma empresa considerada cool, interessante, desejada pelo consumidor (nos níveis de uma Apple, mesmo em eras pré-iPhone). Sempre representou o mainstream careta do mercado de PCs, vendendo Windows e Office como pãozinho quente a cada nova versão. Nada contra, mas é difícil ver um produto vindo de lá que você fale “oooh”.
Era assim até que Bill Gates deixou o prédio. Steve Ballmer também não é cool. É truculento, agressivo, dono de sapatos furados (piada interna e antiga datada de 2003). Mas conseguiu, como CEO e sem a sombra de Gates, perceber que, se as coisas na Microsoft não mudassem (agradeça ao Google e à Apple por isso), a empresa poderia sumir e deixar de ser considerada inovadora. Lembre da Sony nos anos 80 e compare com a Sony de hoje: ainda é forte, mas não tem o brilho anterior.
Eu acredito que o Xbox foi o primeiro produto da Microsoft a começar a mudar essa percepção, seguido pelo Xbox 360. No mundo dos PCs, o Windows 7 foi a consolidação das lições de sistemas ruins (Me, Vista) e de que novas coisas precisavam vir. Ouviram o consumidor, entenderam o feedback e entregaram um produto impecável. Na internet, novos serviços (Bing e a consolidação e melhoria de vários recursos online) não tem a aura de “o melhor dos mundos”, mas funcionam bem. Ei, o Internet Explorer 9 é bastante interessante (não que eu o use, claro).
Observando a lista de afazeres da Microsoft, então, alguns itens já estavam preparados e prontos: internet, sistema operacional. E a mobilidade? Apple e Android sambaram na cara de todo mundo nos últimos três anos. O iPhone 4/4S, hoje, com o iOS5, representa o que há de melhor em sistema operacional para smartphones topo de linha. Aparelhos com Android são incríveis também, vide o Samsung Galaxy S II, o Motorola Milestone 3 e o vindouro RAZR.
Cada um na sua, fazendo o seu melhor: Apple cerca o consumidor no seu ecossistema de mídia e aplicativos, Google cerca o consumidor para dados de busca. Tiveram sua ajuda também: a cegueira temporária da Nokia em entender que um novo mundo conectado surgia lá fora (férias de 3 meses no verão finlandês com todo mundo do escritório fora de Espoo? lentidão em anunciar aparelhos e lançá-los meses e meses depois?), o sumiço da Palm, os erros da BlackBerry.
Até então a Microsoft tinha o Windows Mobile. Ô coisa do capeta. Era ruim demais, ao ponto de dar vontade de abandonar o aparelho pela simples falta de lógica (tenho o mesmo sentimento ao mexer em um BlackBerry). Botão iniciar no canto da tela? Lista de programas como no Windows do PC? Não, Microsoft, o smartphone não deve ser visto como um PC. E resolveram refazer tudo com o Windows Phone, seguindo a lição de casa do Windows 7, do Bing e do Xbox 360.
Windows Phone muda o mercado de telecomunicações de maneira distinta. Tira o foco do conteúdo presente no iOS e no Android e leva para o conteúdo pessoal, único, customizado do consumidor. Tem apps? Um monte, sim. E começa a ensinar que o novo visual do Windows Phone, codinome Metro, vai levar ao desktop lá na frente, com o Windows 8. É o modo que a Microsoft encontrou de unir os dois mundos de maneira simples e discreta. A participação de mercado do Windows Phone, até então, é pífia. Pequena, irrelevante.
Aí que entra o papel da Nokia.
A Microsoft quer deseperadamente parecer cool com seus produtos. Consegue, aos poucos.
A Nokia, porém, é a grande fabricante de hardware de celulares. Sim, errou um monte por algum tempo, e a entrada de Elop e sua plataforma em chamas deu a impressão de que a coisa ia pro buraco (e outro dia ouvi uma variante de um ex-nokiano que “plataforma em chamas” não significa o que a gente pensa – uma plataforma em chamas, dãa, mas sim representa o grande desafio do concorrente para aquela empresa/produto/serviço. Nesse ponto de vista, seriam duas plataformas em chama em relação à Nokia: Apple e Android).
Sim, desde o Elopocalypse em fevereiro deste ano, muita coisa mudou na Nokia (cabeças rolaram, incluindo várias no escritório brasileiro, cortaram custos, perderam mercado e até ensaiaram uma breve recuperação no último trimestre). O grande fator positivo da parceria Nokia + Microsoft é que Redmond tem um sistema operacional novo, interessante e cheio de possibilidades. A Nokia sabe vender isso como produto.
O Lumia 800 pode não ser o topo do topo do topo dos aparelhos topo de linha (e isso é bom, como ressaltou o Pedro Burgos lá no Gizmodo – link logo abaixo -, porque some um pouco da guerra doida de especificações de hardware no mundo Android), e tem um design diferente do sabonete-smartphone padrão atual. O Lumia 710 nem é tão bonito assim (yap, sabonete feelings), mas tem quase tudo que o 800 tem, com um preço bem mais barato.
O Elopocalypse ajudou também a dar fôlego de produção para a Nokia. Tacou fogo nos engenheiros e, olha só, dá para anunciar um produto e aproveitar o keynote de abertura para mostrar a fábrica produzindo e encaixotando a coisa – como vimos com o Lumia 800 ontem na abertura do Nokia World.
Ah, mas não vai sair no Brasil agora. Não, não vai. Ficou para 2012, contrariando promessas anteriores, e vai sair primeiro na Europa e Ásia, os principais mercados da Nokia hoje.
O próximo passo da Nokia e seus Lumia é, com a grande força de marketing da Microsoft, invadir o mercado norte-americano, uma falha histórica da Nokia.
Mais um pequeno devaneio emocional: nunca me esqueço da CES de 2007, quando a Nokia me emprestou um N93, com câmera de 3 megapixels com zoom óptico de 3X (ooh!) para ajudar na cobertura. Perdi a conta de quanta gente me perguntou “que telefone legal é esse?”.
Some o conceito de smartphone pessoal com seu conteúdo com a estrutura bacana de comunicação da Nokia e o consumidor médio (não eu e você, nerd e fanboy) será conquistado. Só ver essa promo abaixo do Lumia para ter uma ideia:
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=I1qTbs8K3go]Então, agora, a Microsoft ganha um forte aliado para ser cool também em smartphones, preparando o terreno para o Windows 8 (e eu nem falei de tablets aqui…). Em 2012 muita coisa vai mudar, e não me surpreenderei se Steve Ballmer, tradicional arroz de festa da CES, não chamar Elop pro palco e fazer um grande anúncio de um Lumia específico pro mercado americano já em 9 de janeiro. A conferir (e eu estarei lá na fila esperando mr. Ballmer) – vai que esse primeiro protótipo toma vida?
A Microsoft também ganha um aliado incrível em pesquisa e desenvolvimento de hardware. Nem preciso comentar muito sobre o protótipo flexível demonstrado no Nokia World.
Em tempo: sim, eu quero comprar um Lumia 800. Assim como eu quero um iPhone 4S, um Nokia N9 e um Motorola RAZR. Não existe motivo para ser fanboy de uma plataforma ou outra. O que importa, no fim do dia, é que a solução funcione direito.
A foto que abre este post veio do Facebook da Nokia.
Leituras complementares
- Nokia: a plataforma está pegando fogo (a prévia do “Elopocalypse”)
- Nokia + Microsoft versus o mundo (o “Elopocalypse” em ação)
- Uma visão da fragmentação da plataforma Android
- John Gruber elogia a Microsoft (e isso é raro)
- Galeria de fotos feitas com o Nokia Lumia 800
- Entrevista em vídeo com Stephen Elop, CEO da Nokia
- Windows Phones da Nokia: esqueça a especificação, o diferencial é o preço
- O futuro cinético da Nokia
Alguém traduz a segunda frase deste post, por favor?
Stephen Elop = CEO da Nokia, canadense (primeiro executivo-chefe não finlandês a trabalhar na sede da empresa em Espoo, Finlândia)
Redmond = sede da Microsoft em Washington, perto de Seattle, EUA.
E Elop, antes de assumir a Nokia, foi vice-presidente da Microsoft
CEO se traduz como "interventor" no caso, dizem as más línguas 😀
minha maior discussão foi a nokia ter abandonado o meego?
Tinha algo mais cool do que a possibilidade de customização para aquele sistema?
Tá bom, era algo pra geek/nerd, mas não deixava de ser legal, e se colocassem uma Touchwiz ou motoblur em cima, ficaria bem legal.
E o symbian?
O Anna ainda é feinho, mas o belle deu uma sobrevida de mais um ano pra meu N8 – fora a câmera ultra-mega-supimpa.
E quem se importa com aplicativos? se a grande maioria das coisas é tudo web-app (banco, foursquare, google, facebook)
P.S.¹: por falar em web, tem um endereço direto para acessar a versão mobile do Zumo?
P.S.²: aguardo ansiosamente um nokia com xenon e P7 (que já foi WM e era PPC)
Não é zumbi e aquele símbolo boboca do windows no smartphone, em uma só palavra ridículo.
Lembra aquele netbook da Nokia com uma bateria monstruosa que rodava Windows 7? Depois da linha Lumia será que teremos um tablet Microkia?
A Nokia tem uma coisa que a apple tem: identidade visual. Os seus produtos são lembrados quando vistos por aí (vide o n95, o n8 mais recentemente). E isso é uma característica boa, tanto para ela quanto para a Microsoft. Quando alguem pensar em Nokia, vai lembrar aquele aparelho bonito que usa o WP7, e quem pensar em WP7 lembrará aquele aparelho lindo da Nokia.
No iniciio não, mas agora tenho fortes espectativas para o Windows Phone. Sistema fantástico, mas a Nokia vai ter que fazer melhor em design pra chamar minha atenção.
Texto incrível! Realmente a Nokia não é a mesma de antes e isso é bom para todos nós consumidores.
Ia comentar isso mesmo, o texto tá ótimo! Parabéns a todos do ZTOP!
Yessssss, aparelhos baratos /
Não conseguiria nunca gastar mais de 1500 paus num celular. Não dá.
tente trabalhar algum dia…
Breeeegaaaa! WTF!!!
[…] para a história das decisões corporativas mais erradas de todos os tempos. A empresa então apostou no Windows Phone como “terceira via” dos sistemas operacionais e sua unidade de smartphones acabou sendo […]