Nokia e Philco lançaram smartphones no mercado brasileiro de olho no consumidor com pouco orçamento. E eles são um dilema para o testador de gadgets.
Contexto: estou neste mercado vital escrevendo sobre tecnologia pessoal desde 1999. Vi a internet chegar, crescer e expandir, o desktop virar notebook, o celular virar smartphone, o receptor de TV digital ser um produto de massa. Aqui neste blog, desde 2007, peguei o boom da fase pós-lançamento do iPhone e do Android.
Toda a comunicação de um smartphone topo de linha é feita para ser inspiracional, isso é marketing básico. O fabricante lança um produto cheio de câmeras que chegam até a lua (ou com muita muita muita resolução), especificações avançadas, preço altíssimo. Vai vender? Claro.
Mas o principal é inspirar o consumidor que não tem dinheiro a chegar lá algum dia e comprar um produto mais barato, que tenha uma ou outra coisa que lembre o carro-chefe da casa, nem que seja apenas o nome.
A Samsung e a Apple reinam nesse ponto (lá fora, Huawei também). A primeira porque tem linhas alternativas para brincar à vontade com a escolha do consumidor (a linha Galaxy A está aí para dizer isso), a segunda não porque tenha uma grande linha de produtos, mas mantém gerações anteriores que seguem vendendo sem problemas (e mesmo mantendo a aura de objeto de desejo, sendo de dois, três ou quatro anos atrás).
Esse discurso todo do “inspiracional” cabe quando você tem algum dinheiro no bolso. E no Brasil de 2020, muita gente não tem emprego mesmo, mas precisa de um smartphone para se comunicar com o mundo. O principal fator para considerar um smartphone de entrada hoje no país: preço na faixa abaixo dos R$ 1.000.
Aqui entro na questão do Nokia 2.3 e do Philco Hit. Produtos muito parecidos nas especificações e no preço:
Nokia 2.3 | Philco Hit | |
Tela | 6,2″ | 5,45″ |
Armazenamento/RAM | 32 GB/2 GB | 64 GB/4 GB |
Bateria | 4.000 mAH | 4.000 mAH |
Câmera | 13 megapixels | 13 megapixels |
Processador | MediaTek Helio A22 | Unisoc SC9863A |
Versão do Android | 10 | 9 |
Preço sugerido | R$ 899 | R$ 999 |
O que dizem os reviews dos colegas de tecnologia. Primeiro o Nokia 2.3:
- Tecnoblog: Celular de reestreia da Nokia no Brasil custa R$ 899 e tem muitos acertos, mas decepciona em pontos-chave.
- Olhar Digital: Celular tem boa autonomia, mas peca no desempenho.
- Tudo Celular: retorno ao Brasil não poderia ser mais básico.
E do Philco Hit:
- MeioBit: Pobre, porém limpinho.
- Tudo Celular: Acerta na proposta para usuários básicos
- BrasiliGeeks: SIM, e é BARATO, mas VALE A PENA?
Eu recebi os dois aparelhos para review. O Nokia é lindo, tem tela e baterias grandes, Android novo (coisa que os LG intermediários de 2020 provavelmente não terão), atualizações garantidas por um tempo. Porém 2 GB de RAM em um Android em 2020 travam o smartphone na hora de fazer qualquer coisa (a câmera é inutilizável de tanto que congela o telefone). Reconheço a importância da marca Nokia pelo seu histórico, só que o Nokia 2.3 não faz justiça a esse passado. Próximos produtos a serem lançados por aqui, talvez.
O Philco lembra o Moto G de 2013 no design, tem tela menor e mais RAM, o que o deixa mais fluido e com uma sensação melhor de desempenho. Mas tem Android 9 e a garantia de qualquer atualização é questionável além de updates de segurança pontuais.
Vendo as especificações e mexendo nos aparelhos, chego a uma conclusão simples: faço parte de uma minoria que tem acesso aos principais gadgets. Agora na minha mesa de trabalho tem um tablet Galaxy Tab S6 Lite, smartphones Galaxy A51 e um LG K61, um Amazon Echo Dot com relógio e mais um produto sob embargo que não posso falar ainda. Por conta da pandemia, um monte de aparelhos que já escrevi sobre aguarda retirada, que não deve ser tão cedo. Tudo limpo e guardado em cima do armário.
Quando um fabricante manda um topo de linha ou um intermediário bacana, é fácil gostar do aparelho. Isso ajuda a gerar a inspiração, seja na notícia do lançamento, uma análise de mercado (algo que tento fazer mais aqui e na Interfaces) ou o hands-on/review do produto.
Existe um consenso de que aparelhos mais caros são bons: faz quanto tempo que você não lê alguém descendo a lenha na Samsung ou na Apple em um topo de linha? Existem problemas pontuais, como a tela dobrável problemática do primeiro Galaxy Fold. Ou o antennagate de iPhones do passado.
Eu mesmo já disse aqui, num podcast, que existem produtos que dá para indicar de olhos fechados, qualquer iPhone novo entra nessa categoria. As críticas pontuais estão lá, óbvio. Mas que não desqualificam o produto final. Quando eu mexo em um Nokia 2.3 e não consigo sair da câmera porque ela travou, me sinto despreparado: não consigo entender para quem é esse produto direito, porque não me enxergo nele.
Ou conecto o Philco Hit na tomada com um plug micro USB (quem ousa não ter USB-C em 2020?) que leva três, quatro horas para carregar por completo, pois não tem carga rápida? Não é à toa que, no geral, marcas não mandam produtos de entrada: elas sabem que a chance de apanhar é grande.
Nem vou entrar no mérito das críticas: muito “especialista” hoje prefere não falar mal para não arriscar perder convite para a próxima coletiva, ainda que virtual. Fico feliz de saber que tem marca que entende que nem tudo são flores, críticas são bem-vindas e bola para a frente. Anos de estrada e bons relacionamentos, afinal. Quem me conhece, me conhece. Quem não me conhece, bem-vindo ao meu mundo.
Em tempos de crise, é preciso se reinventar/repensar seus conceitos. O Philco Hit e o Nokia 2.3 levantaram essa questão pessoal em mim. Não vou escrever reviews deles, mas agradeço às marcas por terem enviado e ajudado a levantar esse pensamento. É um problema do tipo “1st world” que tenho e precisa mudar.
Se eu precisar indicar um smartphone com orçamento limitado, peço para pensar em:
- desempenho: quanto mais RAM melhor.
- É um aparelho para comunicação: precisa rodar WhatsApp bem, ter alguma qualidade na ligação telefônica e não dar vontade de jogar na parede.
- tamanho da tela, por conforto mesmo
- capacidade da bateria, para não ficar na mão
- Câmera é extra – não vai ter grande qualidade e serve para o básico.
Valeu o desabafo, obrigado pela paciência 🙂
[…] Philco Hit é o modelo de entrada da família e entrou na minha discussão sobre reviews de smartphones básicos. O Hit Plus e o Hit Max são um upgrade (básico) em relação ao modelo original: já vêm com […]
Belo texto, fiquei curioso de qual seria a indicação de um smartphone de entrada. Um Galaxy A10?
Li em algum lugar que o LG K40S é mais negócio.
Ótimo texto.
Pessoalmente, abriria mão das atualizações mais recentes em troca de uma experiência de uso mai fluída.
Já pensei em assumir essa bronca, escrever sobre smartphones de entrada, pra preencher esse buraco que eu considero vital no nicho de tecnologia. É fácil demais recomendar automatizar a casa com lavadora de 7 mil reais, ter um celular de 5 dígitos (olá, Galaxy Fold 3!), recomendar echo show 8 pra quem quer só ter um contato inicial com assistente, reclamar de tv QLED ou pior, daquela The Frame!
Mas aí entra que hoje com 3 filhos tenho tempo nem do meu trabalho direito, ainda mais de algo que demoraria anos ou décadas pra ter, se tiver, alguma visibilidade. Mas queria muito que alguém assumisse isso e não entrasse pro lado Xiaominion, por exemplo, de defender custo-benefício com unhas e dentes. Só queria pessoas honestas, recomendando o básico pro básico, sem tentar dourar demais a pílula. Alguém pode fazer isso?
PS: Obrigado pelo manifesto, extremamente necessário para o tempo que nos avizinha.
o Tecnoblog tem uma pessoa cuidando disso já. É uma discussão necessária, na prática os sites de tecnologia estão “mimados” com os high-end, e isso afeta demais a vida de quem precisa um básico.
Se for o Emerson, acho o melhor “resenhista” deles, até por isso mesmo, pelos pés no chão. Ainda assim, é gama intermediária no geral, intermediária Premium.
Eu tava pensando nesses Philco, Multilaser, Blu e afins.